No dia 7 de agosto de 2014, a Lei 11.340, mais
conhecida como Lei Maria da Penha, completa oito anos e faz-se necessário um
balanço sobre ela, diante de tantos crimes contra a mulher no âmbito doméstico
e de se perceber o problema como questão social, de saúde, segurança pública e
de direitos humanos.
Os dados são reveladores: uma mulher é espancada a
cada 15 segundos no Brasil (segundo informações da Fundação Perseu Abramo de
2001 e com revisão em 2002); o risco de uma mulher ser agredida em sua própria
casa pelo pai de seus filhos, ex-marido ou atual companheiro é nove vezes maior
que sofrer algum ataque violento na rua ou no local de trabalho (de acordo com
o Banco Interamericano de Desenvolvimento/1998); o Brasil perde 10,5% do seu
Produto Interno Bruto (R$508,2 bilhões anuais) com os problemas da violência
(dados da ONU Mulheres, 2013); a violência doméstica é a terceira causa de
morte entre as brasileiras; a cada cinco anos convivendo com agressão, a mulher
perde um ano de vida saudável (conforme o Programa Censura Livre, da TV Bandeirantes, em julho de 2009). Nos últimos
anos, a mídia tem divulgado que dez mulheres são assassinadas por dia no
Brasil, superando os índices internacionais.
São fatores inibidores da denúncia da violência
conjugal/familiar: crença de que a violência é temporária, consequência de uma
fase difícil; receio de possíveis dificuldades econômicas na ausência do
companheiro; preocupação com a situação dos filhos caso o pai tenha ficha na
polícia ou fique desempregado; vergonha perante os filhos; pena do agressor que
é violento “só quando bebe”; vergonha de ser vista como espancada; falta de
apoio familiar; medo do autor da violência; sentimento de culpa; receio de
ficar sozinha; falta de informações e de ajuda especializada; baixa autoestima;
falta de infraestrutura e atendimento precário em delegacias gerais,
especializadas e/ou descrença nos serviços prestados; isolamento; “Síndrome de
Estocolmo” (a gratidão ao homem por não
matá-la substitui a raiva ou o medo); visão religiosa que leva à conformação,
dentre outros. Não é à toa que as mulheres permanecem, em média, de dez a quinze
anos na relação violenta.
Também podemos elencar alguns dos fatores que
contribuem com as relações de gênero violentas: feminização da pobreza;
aspectos socioculturais e simbólicos que definem funções sociais desiguais para
homens e mulheres, desde a educação diferenciada para meninos e meninas; padrão
sexista/machista nos relacionamentos; desigual divisão social do trabalho;
exclusão política feminina; pequeno percentual de mulheres ocupando cargos de
chefia, resultando em desigualdades. A violência física, psicológica e sexual
pode ser entendida como um recurso extremo para manter as mulheres “em seu
lugar” de inferioridade e submissão, nas relações de poder.
Compreender a violência na sua complexidade e como se
constitui é relevante para o atendimento humanizado, ético, qualificado e
profissional e para não serem reproduzidos mitos ou preconceitos.
Em que a Lei avançou?
- Tipifica e define violência contra a mulher,
estabelecendo as formas como física, psicológica, sexual, moral, patrimonial;
- Reconhece que a violência contra a mulher independe
de orientação sexual, podendo ocorrer, por exemplo, em relações homossexuais;
- Inova na concepção de família;
- Prevê um capítulo específico para o atendimento pela
autoridade policial;
- Veda a entrega da intimação pela mulher ao autor de
violência;
- Retira dos juizados especiais criminais a
competência para julgar os crimes de violência doméstica e indica a criação de
juizados especiais de violência doméstica e familiar, com competência cível e
criminal para abranger todas as questões, fomentando-se uma intervenção
multiprofissional. Em Uberlândia, esses juizados não foram criados, o que
compromete a operacionalização da Lei.
Nesse sentido, talvez, uma parceria com a ONG SOS Mulher e Família – órgão de
utilidade pública municipal, estadual e federal, que há 17 anos desenvolve
trabalho de atendimento social, psicológico e jurídico (equipe com formação continuada)
gratuitos à comunidade, sendo referência na região – pudesse ser pensada, com
vistas a um menor custo.
- Proíbe a aplicação de penas leves, como o pagamento
de cesta básica, e aumenta para de três meses a três anos o tempo de prisão
para esses casos. Criar uma cultura de que “bater” em mulher dá cadeia pode
inibir a violência. No entanto, sabe-se que o encarceramento pode ser também um
jeito caro e ineficiente de não recuperar alguém com o dinheiro público.
Ademais, sequer há lugar nas cadeias para tanta gente, conforme os índices.
- Possibilita prisão preventiva e prisão em flagrante;
- A renúncia aos encaminhamentos legais só poderá ser
feita diante do(a) juiz(a);
- Garante à mulher o acompanhamento dos atos
processuais e também desta por advogado(a) ou defensor(a).
- Proíbe-se ao autor da violência o benefício de
qualquer suspensão condicional do processo, pois a violência doméstica é de
interesse público, e não somente da vida privada do casal. Assim, a ação penal
contra o autor da agressão deve independer de autorização da vítima.
Ainda que, em seus termos e texto, possa ser
melhorada, essa Lei, resultado das discussões e reivindicações do movimento de
mulheres do Brasil, pode estimular a busca de ajuda, pois o Estado passa a ter
instrumentos para poder dar respostas mais adequadas e eficazes à questão da
violência doméstica. No entanto, sem o devido funcionamento e ampliação de
políticas públicas, como ONGs, Delegacia de Mulheres, Casas Abrigo, Conselhos
de Direitos, articuladas à rede de enfrentamento a essa violência, a Lei é
insuficiente.
Fundamental seria um trabalho com os autores de
violência em grupos reflexivos, para que alterem atitudes e comportamentos,
diminuindo as reincidências, podendo ser encaminhados como uma das medidas
protetivas, por meio do judiciário.
Ao nosso ver, isso deveria ser compulsório, o que não
acontece ainda em Uberlândia.
Estamos cientes de que a Lei pura e simplesmente não
se faz eficaz sem uma ampla divulgação e, simultaneamente, criação, ampliação e
melhoria das políticas públicas afins e correlatas. Exerçamos cidadania,
cobremos essas políticas e contribuamos para a divulgação da Lei e das
políticas públicas.
Se a violência existe, ela pode se intensificar e
tornar-se raiz de tantas outras.
A Lei Maria da Penha no RS.
O Governo do
Estado instituiu a Rede Lilás para
articular ações coordenadas junto às instituições de acesso à segurança, à
saúde, à educação, à assistência social, ao mundo do trabalho
e à justiça visando atender as mulheres e meninas gaúchas em situação de
violência.
Trabalhando em
Rede, a SPM Gaúcha está fortalecendo os espaços municipais específicos de aplicação
de políticas públicas para as mulheres (Coordenadorias, Centros de
Referência, Casas-abrigo etc.).
Está
estimulando o atendimento especializado ao público feminino junto à política de
assistência social de diferentes cidades, apostando numa forma coletiva
de trabalho, com ações interligadas entre os poderes executivo, judiciário e
com o apoio do legislativo.
A principal
ferramenta de articulação desta Rede é o Telefone Lilás 0800 541 0803 - central de apoio gratuito – que monitora a
proteção das mulheres que buscam ajuda, acionando os organismos públicos e os
conselhos da mulher, em diálogo com a Patrulha Maria da Penha, a Sala Lilás de
perícias, as delegacias da mulher (DEAM), a Defensoria Pública, o
Ministério Público e os Juizados Especializados, com vistas na garantia de
atendimento adequado, rompimento da violência e punição dos agressores.
Campanhas nacionais
pela Lei Maria da Penha.
A
campanha "Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha - A lei é mais
forte" é resultado da cooperação entre o Poder Judiciário, o Ministério
Público, a Defensoria Pública e o Governo Federal, por meio da Secretaria de
Políticas para as Mulheres da Presidência da República e o Ministério da
Justiça. Tem como objetivo unir e fortalecer os esforços nos âmbitos municipal,
estadual e federal, para dar agilidade aos julgamentos dos casos de
violência contra as mulheres e garantir a correta aplicação da Lei Maria
da Penha.
Desde
a sua criação, a campanha vem contribuindo para a disseminação do tema, por
meio do portal http://www.compromissoeatitude.org.br, e promovendo ações efetivas e pontuais
com auxílio de parceiros e apoiadores. O serviço do disque-denúncia "Ligue
180" é uma das ações impulsionadas pela campanha.
Já
a campanha "Enfrentamento à Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher"
foi desenvolvida pelo Conselho Nacional dos Procuradores Gerais dos Ministérios
Públicos dos Estados e da União (CNPG), para ampliar e auxiliar no combate ao
problema da violência doméstica e familiar contra a mulher, promovendo ações de
prevenção, esclarecendo a sociedade e estimulando o oferecimento de denúncias,
buscando proteger a vítima e punir os agressores.
Fontes
:
http://www.spm.rs.gov.br
* Cláudia Guerra
* *Cláudia C. Guerra é doutoranda em História sobre violência de gênero e conjugal, membro fundadora e voluntária da diretoria da ONG SOS Mulher e Família de Uberlândia, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero (Neguem) da UFU, conselheira no Conselho Municipal da Mulher e professora da Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação (Esamc)