As
escolas de educação básica, sejam públicas ou privadas, enfrentam desde sempre
uma série de problemas para garantir sua efetividade, e mais do que isso, sua
própria existência. Uma das dificuldades mais recentes, e de difícil solução,
tem sido o problema do adoecimento e da deserção dos professores da escola
pública brasileira. Para o historiador Danilo Alexandre Ferreira de Camargo,
tal fenômeno acontece em função do cotidiano escolar ser insuportável para a
maioria dos profissionais da educação.
Estudo apresenta reflexão alternativa sobre relação
dos professores com a escola
Em sua dissertação de mestrado, O
abolicionismo escolar: reflexões a partir do adoecimento e da deserção dos
professores, desenvolvida na Faculdade de Educação, e orientada pelo
professor Julio Roberto Groppa Aquino, o historiador procura fugir do
lugar comum, e apresenta uma reflexão alternativa sobre a problemática relação
dos professores com a escola: o abolicionismo escolar.
A
questão do afastamento de professores da atividade profissional é tema
frequente de pesquisas, principalmente no campo da saúde, que procuram
encontrar causas e soluções para este problema. Por este motivo, Camargo
analisou, ao longo de quatro anos, mais de 60 trabalhos acadêmicos que tinham
como tema o adoecimento dos professores.
O
estudo concluiu que não havia grandes diferenças conceituais entre as pesquisas
produzidas nesta área. Isto se dá em função da tentativa frequente de
patologização da resposta dos professores ao ambiente escolar. “Não tenho, em
absoluto, a intenção de questionar o trabalho dos cientistas destas áreas, mas
se observarmos dez anos de pesquisa, veremos pouca diferença entre todas elas.
Sempre se parte do pressuposto da existência de uma crise generalizada, depois
é feito o diagnóstico de uma patologia e sua posterior proposta de
medicalização”, afirma Carmargo. E continua: “A tentativa é sempre colocar a
escola nos eixos, nunca questioná-la como instituição.”
Partindo do conceito de governamentalidade,
produzido pelo filósofo francês Michel Foucault (1926–1984), o pesquisador
acredita que o adoecimento dos professores e sua posterior deserção
profissional ocorrem devido a forma particular de “condução das condutas” no
interior da instituição escolar. Isso naturaliza a burocratização da infância e
produz formas de vida prontas para serem geridas pelos comandos políticos do
Estado, de modo a potencializar as forças produtivas da população. Dessa forma,
os problemas da realidade escolar deveriam ser entendidos como resistência
política à ordem estatal e não apenas como patologias ou desvios morais dos
educandos e dos professores.
Abolicionismo Escolar: um tema inimaginável.
Baseado na pesquisa, Camargo propõe a reflexão sobre o que ele chama de “abolicionismo escolar”: o questionamento da existência da escola enquanto instituição insubstituível.“Nossa sociedade percebe o ensino escolarizado como algo absolutamente natural e indispensável, apesar do mesmo existir da forma que conhecemos hoje somente a partir do século XIX. Deveríamos aprender a questionar não os problemas da escola, mas a própria existência dela como um grave problema político.”
Segundo
o estudo, existe em nossas sociedades escolarizadas uma barreira discursiva que
silencia qualquer contestação da estrutura escolar como hoje conhecemos. Isso
porque estamos presos a este conceito de educação como única maneira de
conseguirmos viver em sociedade.
O
historiador garante que nenhuma plataforma política, de qualquer orientação
ideológica, consegue recusar, nem sequer discutir a instituição, e, menos
ainda, cogitar a possibilidade do abolicionismo escolar como possível solução
para muitos dos nossos impasses sociais.
“A
pesquisa não pretende com esta reflexão propor uma nova plataforma educacional,
mas constatar o triunfo do método escolar de institucionalização da vida
nas sociedades ocidentais contemporâneas, assim como os limites políticos do
nosso discurso”, diz. “A questão central, portanto, não é o que colocar no
lugar da escola, mas nossa própria incapacidade de sequer conseguir imaginar um
modelo educacional que substitua esta instituição”, completa.
Camargo
conta que, durante a pesquisa, fez uma experiência: digitou nos principais
sites de busca da internet as palavras-chave ‘abolicionismo escolar’. “Não
obtive nenhum resultado sequer. Isso dá uma ideia sobre a resistência da
sociedade quanto ao tema.”
“A
solução para os problemas da escola sempre segue no sentido de aperfeiçoamento
e ampliação da instituição, e a sociedade não consegue visualizar, de fato, o
grau de insuportabilidade de sua estrutura. Não existe nenhum tipo de crise. As
tentativas de reparos significam um triunfar-se perpétuo da instituição escolar.
Talvez seja a hora de começarmos a duvidar da naturalidade da escola e de sua
correspondente ordem social”, conclui Camargo.
Publicado em janeiro 17, 2013 por Redação
Imagem: Marcos Santos / USP Imagens
Mais
Informações: danilo.alexandre.camargo@usp.br, com o pesquisador Danilo
Alexandre Ferreira Camargo
Nenhum comentário:
Postar um comentário